Mais de 39 milhões de pessoas no mundo são cegas e, grande parte delas, enfrentam dificuldades na execução das tarefas diárias, tem vidas sociais restritas e perspectivas reduzidas de estudo e trabalho. Além disso, segundo uma pesquisa publicada na revista The Lancet Global Health, especialistas avaliaram as tendências da cegueira e deterioração da visão pelas próximas décadas. As principais projeções do estudo apontam que: 61 milhões de pessoas serão cegas; 474 milhões terão deficiência visual moderada a severa.
Estes números não podem ser ignorados e, cada vez mais, é indispensável que profissionais de TI tenham um pensamento orientado à acessibilidade na web, devido a crescente necessidade do uso de tecnologia no dia a dia e a diversidade de pessoas e de contextos.
No Brasil, a Lei Brasileira da Pessoa com Deficiência nº 14.146 e o Decreto Federal nº 5.296 e, já torna obrigatória a construção de websites com acessibilidade, mas de acordo com a pesquisa realizada pela World Wide Web Consortium (W3C) em âmbito global, apenas 2% das páginas da web são acessíveis para pessoas com deficiência. Além disso, no desenvolvimento de produtos digitais, este também ainda é um requisito secundário.
Acessibilidade
Segundo a norma Brasileira ABnT nBR 9050:2004, item 3.1:
“Acessibilidade: Possibilidade e condição de alcance, percepção e entendimento para a utilização com segurança e autonomia de edificações, espaço, mobiliário, equipamento urbano e elementos.”
Pode-se dizer que a definição de acessibilidade ao ambiente da web é a condição de alcance, percepção, entendimento e interação para utilização, participação e contribuição igualitárias, com segurança e autonomia, para os serviços e websites disponíveis na web, por qualquer indivíduo, independentemente do contexto que esteja inserido, a qualquer momento, em qualquer local, em qualquer ambiente físico ou computacional, e independente do dispositivo de acesso.
Para passar na classificação, o ambiente web necessita seguir as diretrizes e critérios de sucessos sobre acessibilidade que estabelecem a base necessária para que qualquer pessoa possa acessar o conteúdo. Ou seja, é necessário que o conteúdo seja:
- Perceptível: as informações e os componentes da interface do usuário devem ser intuitivos;
- Operável: os componentes da interface do usuário e a navegação devem ser operáveis, ou seja, interface não pode exigir interação que um usuário não possa realizar;
- Compreensível: as informações e a operação da interface do usuário devem ser compreensíveis, quer dizer, o conteúdo não pode ser complexo ou a operação não pode estar além de sua compreensão;
- Robusto: o conteúdo deve ser robusto o suficiente para que possa ser interpretado de forma confiável por uma ampla variedade de agentes de usuário, incluindo tecnologias assistivas.
Se o serviço web não atender a todos os critérios acima, os usuários com deficiência não poderão acessar seu conteúdo e, portanto, não há acessibilidade.
Acessibilidade na web significa, em resumo, que todo o conteúdo, desde serviços até publicações, seja tão fácil de ser utilizado que a experiência de qualquer usuário não seja impactada e que as possíveis diferenças entre os conteúdos não sejam percebidas.
A inteligência artificial (IA) tem desempenhado um importante papel neste sentido seja por meio de iterações ou experiências. A sua atuação vai desde uma ferramenta de assistente virtual e chatbots, até sistemas para detecção de doenças, acompanhamento educacional, entre outras.
A IA está presente em diversos lugares e, mesmo sem perceber, fazemos uso dela todos os dias, seja por comando de voz, sistemas de recomendação em sites de e-commerce que auxiliam a fazer compras com base em critérios e histórico de navegação, ou até mesmo por câmeras no trânsito que identificam o uso de cinto de segurança, por exemplo.
A inteligência artificial pode ser dividida em 4 categorias:
- Sistemas que pensam como humanos;
- Sistemas que pensam racionalmente;
- Sistemas que agem como humanos;
- Sistemas que agem racionalmente.
Um sistema computacional inteligente consegue ser mais autônomo na medida com que seu comportamento é determinado por sua própria experiência, ou seja, quando ela consegue aprender a cada nova interação, neste caso, estamos falando especificamente dos agentes inteligentes os que utilizam machine learning e deep learning.
Porém, para o desenvolvimento da acessibilidade em tecnologias web e tecnologias assistivas – termo amplo que inclui dispositivo de assistência, adaptação e reabilitação para pessoas com deficiência – é necessário cumprir requisitos legislativos. Diante disso, várias regras, regulamentos e inciativas surgiram em diversos países a fim de favorecer o acesso universal à web. Uma tecnologia assistiva muito utilizada hoje é o reconhecimento de voz, que melhorou muito nos últimos anos, atualmente existem famosas Voice User Interface (VUI) difundidas no mercado que servem como assistentes do cotidiano, por exemplo: a Siri (Apple), a Alexa (Amazon) e o Google Assistant (Google).
Os avanços tecnológicos aumentaram drasticamente o acesso à informação e comunicação, as ferramentas tecnológicas combinadas com inteligência artificial são elementos poderosos para acessibilidade, o uso de inteligência artificial como auxílio na inclusão digital. Ferramentas como os telefones inteligentes (smartphones), tecnologias de reconhecimento facial, reconhecimento de voz, por exemplo, estão cada vez mais presentes na vida das pessoas, e são facilitadores de acessibilidade.
Com tecnologia em constante evolução, novos dispositivos e serviços são lançados com grande frequência e impactam de alguma maneira o desenvolvimento da acessibilidade. Além disso, pesquisas sobre tecnologias assistivas também apoiam e são essenciais para a melhora da inclusão, assim como a inteligências artificiais e visão computacional.
A acessibilidade na web, em relação às tecnologias educacionais inovadoras, abriu novas formas de interações com alunos com necessidades educacionais especiais. Entre as abordagens mais eficazes e as vistas como um meio de melhorar a qualidade de vida dos alunos, são as baseadas na IA. No consenso de Pequim sobre Inteligência Artificial e Educação de 2019 foi reafirmado que os avanços tecnológicos com uso da IA na educação devem oportunizar a ampliação do acesso à educação para grupos mais vulneráveis. O uso da Inteligência Artificial deve estar à serviço da redução da desigualdade digital e dos preconceitos. É fortemente recomendado que seja garantido o uso de ferramentas de ensino e aprendizagem baseadas na IA a fim de favorecer a inclusão de alunos com dificuldades de aprendizagem.
Porém, há uma barreira quanto ao uso de IA em relação à ética, conflitos, problemas e dilemas, que instigam pesquisadores a discutirem sobre este assunto. Atualmente, o maior desafio da acessibilidade são as questões legislativas extremamente amplas e complexas. Cada país possui uma regulamentação e empresas que desejam ter um ambiente na web acessível precisam se adaptar e atender a todos os critérios e legislações dos países em que está presente, ou seja, a preocupação passa de ter o foco tão somente na acessibilidade, mas passa a ser uma frente de relações internacionais.
Com isso, apesar da grande ajuda que a inteligência artificial oferece para pessoas com deficiências, ainda é necessária a criação de uma legislação unificada entre os países para que, dessa forma, sistemas possam ser construídos de acordo com preceitos éticos internacionais e que os desafios sejam apenas por questões tecnológicas.
Atualmente, a inteligência artificial, juntamente com machine learning e deep learning, são tópicos discutidos na área de tecnologia com o intuito de buscar uma visão de futuro para as tecnologias assistivas e de acessibilidade e, apesar desta situação ampla e complexa, a área de tecnologia está otimista em relação ao futuro da IA e da forma com que ela poderá ajudar pessoas com deficiência.
Referências
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